sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Sobreviventes de Câncer de Mama Encontram o Michelangelo das Tatuagens de Mamilo.


Na sala de espera do Little Vinnie's Tattoos, motoqueiros e punks sentam-se lado a lado com senhoras beatas e mães conservadoras. As clientes chegam de todas as partes do mundo, Arábia Saudita, Espanha e Brasil, ao despretensioso shopping center nos arredores de Baltimore que conta também com salão de bronzeamento, loja de bebidas e loja de DVDs adultos. Ansiosas, elas entram no estúdio de Vinnie Myers, o destino final de muitas sobreviventes de câncer de mama que tentam recuperar o que a mastectomia tirou delas.
As taxas de câncer de mama vêm aumentando nas últimas décadas e esse crescimento é particularmente pronunciado nos EUA. Atualmente, uma em cada oito norte-americanas vai confrontar a doença durante a vida. Durante o mesmo período, as taxas de mortalidade declinaram. Para muitas, o tratamento exigirá a remoção do seio e da auréola. As pacientes sobrevivem a esse mal com um peito plano cortado por cicatrizes escuras. Muitas optam pelas cirurgias reconstrutivas. Implantes mamários podem fornecer a forma perdida, mas criar auréolas realistas ainda é um grande desafio.
Apesar de todos os avanços da ciência, a melhor opção para a reconstrução de auréola pode estar na tatuagem. E no campo da tatuagem cosmética, as ilusões de ótica dos “retratos de auréola”, como Vinnie as chama, são as melhores que o dinheiro pode comprar.
“Elas já enganaram médicos”, diz Richie, a assistente de Vinnie. “Uma das senhoras nos ligou toda risonha dizendo: 'Vocês não vão acreditar no que aconteceu. Eu estava em minha consulta de acompanhamento com um cirurgião e quando tirei o avental, ele ficou olhando confuso para minha ficha e depois disse: 'Temos algum engano aqui. A ficha diz que você foi operada.'”

“Qual é seu segredo?” pergunto.
“É apenas a Arte 01”, responde Vinnie, inclinando-se por cima da mesa de sinuca do estúdio. “Luz e sombra. O mais difícil para mim é acreditar que ninguém pensou nisso antes. Os outros tatuadores cosméticos fazem somente um círculo e depois o colorem. Eles têm três cores. Chocolate, rosa chiclete e salmão. A que estiver mais perto de seu tom de pele é a que eles vão usar. A maioria das mulheres brancas ficam com salmão.”
“E eles nem desenham os tubérculos de Montgomery?” pergunto, referindo-me aos pequenos carocinhos das auréolas.
“Eles nem desenham os mamilos na maioria das vezes”, diz Vinnie. “Eles fazem um círculo e, às vezes, um círculo mais escuro dentro do primeiro. Nem sempre. Você fica com um círculo chocolate dentro de um círculo salmão.”
“Na maioria das vezes, eles sequer colocam o mamilo no lugar certo”, lamenta Richie. “Parece que eles fecham os olhos e apontam para qualquer lugar...”
“Exatamente”, confirma Vinnie. “Para mim, isso é um crime.”
Outro aspecto que Vinnie considera criminoso é o valor cobrado pelos médicos por uma tatuagem cosmética. “Chega facilmente a mais de dois mil dólares”, ele conta, “e o plano médico não cobre isso. Aqui, cobramos a mesma coisa por uma auréola e por uma tatuagem qualquer do mesmo tamanho. Por que cobrar mais só porque é um mamilo?” No Little Vinnie's, o preço é de $400 por um seio ou $600 pelos dois.
Acompanhei várias das sessões do Vinnie naquele dia. Com sua confiança silenciosa, sua terminologia médica, sua prancheta e sua camisa branca, é fácil entender por que muitos de seus clientes o chamam de doutor. Ele contou histórias médicas tão aprofundadas que fiquei esperando ele sacar um estetoscópio do bolso. E se ele fizesse isso, duvido que alguém ali levantaria sequer uma sobrancelha.

A última cliente foi uma mulher de 50 e poucos anos – ex-líder de torcida, contou o marido orgulhoso. Ela lutou por dois anos contra um câncer que a deixou com um linha roxa escura onde seu seio esquerdo costumava ficar.
Ela está nervosa. Vinnie oferece ir buscar uma cerveja. “Tudo bem”, ele brinca, “estamos todos bêbados aqui!”
“O que significa para você passar por esse procedimento?” pergunto a ela.
Ela pensa por um momento, compondo as frases. “Espero que isso elimine a lembrança constante. Por um tempo, você fica simplesmente no modo sobrevivente. Você faz uma cirurgia de cada vez, recebe um diagnóstico de cada vez. E quando está tudo acabado, você tem a sensação de que tudo está ótimo – até ficar sozinha. Essa é a pior parte. Às vezes, eu me sinto muito bem e quando entro no chuveiro, tudo volta – como um soco no estômago. Espero que isso ajude a apagar algumas das memórias.”
“A parte boa” diz Vinnie, gesticulando em volta da marca da cirurgia, “é que quando você olha para isso agora, só vê a cicatriz. Não há mais nada para se ver. Mas quando você tem um mamilo aqui, a cicatriz fica menos aparente. O foco vai para o próprio mamilo”.
“O jeito como você descreveu isso”, comento com a mulher, “me parece quase como um procedimento espiritual – mudar o corpo para mudar a mente...”
“Você sente que tiraram seu lado feminino”, diz ela. “E é estranho, as mulheres estão o tempo todo escondendo os mamilos, mas quando eles desaparecem, você pensa: 'Por que eu escondia isso? Por que eu me esforçava tanto para esconder isso?'”
“É estranho”, começa Vinnie enquanto mistura os pigmentos, “como quase toda mulher que vem aqui tem esse mesmo sentimento de não ser completa. Elas se sentiam completas antes e agora não se sentem mais. O que mais ouço quando termino o procedimento é: 'Eu me sinto inteira de novo'”.

Vinnie veste as luvas de látex pretas.
“Como um motoqueiro!”, a mulher ri.
“A gente tem que ter atitude!”, retruca Vinnie.
A máquina começa a zumbir nas mãos dele como algo vivo e mau. A mulher estremece e seus lábios desaparecem quando a agulha pica.
Vinte minutos depois, quando tudo está terminado, Vinnie gira lentamente a mulher na cadeira para encarar um espelho de corpo inteiro.
“O que você acha?” ele pergunta.
Ela aperta o rosto e enxuga os olhos. A resposta demora alguns momentos. “Não vejo mais a cicatriz”, ela gagueja. “Ela simplesmente desapareceu.”
(Fotos por Roc Morin)
Roc lançou seu novo livro, And, no ano passado. Saiba mais no site dele.
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