segunda-feira, 11 de março de 2013

TATUAGEM KALINGA: O DESAPARECIMENTO DE UMA ARTE


Tatuagem Kalinga
Nas montanhas de vegetação tropical do norte das Filipinas reside a última artista de um ofício milenar que corre o risco de desaparecer. A senhora de rosto simpático e braços inteiramente tatuados é Whang Od, a última tatuadora da tribo Kalinga. A colonização, a modernidade e o preconceito foram os responsáveis pelo enfraquecimento da tradição da tatuagem nessa tribo, prática que pode desaparecer de vez com a morte de Whang.

Cabeças cortadas e tatuagens


A tatuagem, para os Kalinga, assim como para outras tribos que têm essa tradição cultural, faz parte de rituais que marcam principalmente as mudanças por que seus membros passam durante a vida, servem como delimitador de status social e contam sobre eventos notáveis de que o tatuado participou.
Para eles, no entanto, as tatuagens também fazem parte de uma tradição importante para a tribo. Notadamente reconhecidos em seus tempos áureos como um povo guerreiro e temido, os Kalinga tinham como um de seus hábitos de guerra a decapitação e exibição da cabeça dos inimigos derrotados. Vencer um inimigo era um passo muito importante para um guerreiro e motivo de orgulho. Era, por exemplo, o que marcava a transformação de um menino em homem e garantia status, poder, influência e privilégios dentro da tribo. A derrota do inimigo era celebrada com rituais e ficava marcada no corpo do guerreiro vencedor por meio de uma tatuagem.
Os últimos guerreiros Kalinga que receberam desenhos devido à decapitação de inimigos foram os combatentes da invasão do Japão às Filipinas durante a Segunda Guerra Mundial, entre eles estava Lakay Miguel, de 88 anos, cujas tatuagens indicam que ele é um guerreiro do mais alto nível. Miguel demonstra preocupação com a sobrevivência da tradição da tatuagem entre as novas gerações. “Primeiro os missionários chegaram, então, os professores da escola, e, depois, pessoas nas cidades começaram a discriminação contra os homens e mulheres que usavam tatuagens. Agora não temos mais tatuadores e o nosso costume de tatuar desaparecera quando a minha geração morrer”, disse.
Tatuagem Kalinga
As tatuagens se referiam à bravura dos guerreiros, mas também possuíam razões místicas. Além de reforçar a fama de virilidade dos Kalinga nos seus dias e nas próximas gerações, a decapitação fazia parte de rituais para garantir boas colheitas, abundância de caça e pesca, fortalecer a saúde e garantir a fertilidade das mulheres. Era um sacrifício humano muito poderoso que acalmava divindades garantindo prosperidade, riqueza, harmonia e saúde.
Mas o que foi motivo do mais alto orgulho, com a colonização cristã, devido aos seus dogmas impostos, passou a ser visto como vergonha e demonstração de barbárie. Estava criado, assim, um estigma sobre a tatuagem Kalinga, que fez com que as novas gerações perdessem o interesse nessa arte, por medo de serem associados à brutalidade e à morte.

Mulheres tatuadas


Entre as mulheres Kalinga também existia o hábito de se tatuar. Para elas, os desenhos marcavam etapas da vida e serviam como adornos estéticos. A primeira tatuagem era feita na puberdade como forma de demonstrar que a menina estava pronta para ter filhos, já podendo então se casar e entrar para a vida social da tribo. Para as mulheres, a tatuagem era um grande atrativo físico: quanto maior o número de desenhos pelo corpo, mais bonita a mulher Kalinga era considerada, fazendo com que ela fosse mais cobiçada para o casamento. No caso delas, também foi a modernidade e os novos hábitos que fizeram com que a tradição da tatuagem fosse abandonada. Além de toda a “desculturalização” promovida pelos colonizadores, os novos tempos mudaram tradições Kalinga, entre elas o padrão de beleza e os interesses das moças da tribo, que agora procuram uma vida mais ativa fora dos domínios de seu povo e preferem estudar e conseguir uma carreira profissional a buscar um casamento tradicional.
Tatuagem Kalinga

Futuro


A esperança para a manutenção da tradição da tatuagem Kalinga vem do interesse de descendentes de nativos da tribo que moram em outros países e veem na tatuagem uma forma de manter o vínculo com as suas raízes.
Entre eles estão os membros do Tatak Apat na Alon, uma organização de jovens filipinos americanos que tem o objetivo de preservar as tradições de suas tribos de origem. O co-fundador Elle Festin esclarece as razões por que estão lutando pela preservação das tradições. “Nós temos uma bela cultura de tatuagem, e ela está se deteriorando lentamente. Queremos reavivar as formas espirituais de arte de nossos ancestrais e inspirar o nosso povo a acreditar no passado; porque um povo sem conhecimento de sua história, origem e cultura é como uma árvore sem suas raízes”, explicou.
“Nós temos uma herança cultural única, e queremos expor a sua grande beleza. Viajamos para universidades, participamos de eventos culturais e convenções de tatuagem na Califórnia para educar jovens e mais velhos filipinos sobre as raízes de nossa cultura. Eu me comparo a um ‘caçador de cabeças contemporâneo’, porque eu caço cabeças e as educo sempre que tenho a oportunidade”, complementou Elle.
Outra forma de preservar essa arte é espalhar o conhecimento sobre essa tribo, seus rituais, sua história e suas manifestações artísticas, entre elas a tatuagem.
Apesar da tristeza de saber que talvez em algumas gerações já não seja possível encontrar um membro dos Kalinga em seu habitat que ostente os tradicionais desenhos, o importante é encontrar formas de não se deixar morrer a arte, as tradições e a cultura desse povo, que, sem dúvida, têm um papel importante na história da tatuagem.
Tatuagem Kalinga
Fontes:  Tom Kips - The Globalization of Kalinga TattoosFrom the Philippines to the U.S.A. | Apat na alon Tribe | Lars Krutak | Vanishing Tattoo

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