Outro indivíduo que tatuou o próprio olho foi Matt Gone, figura bastante conhecida por ter entrado para o livro Guinness depois de tatuar a maior parte de seu corpo com o padrão de um xadrez. Após colorir um olho com a cor verde e outro com azul, o vídeo de Gone apareceu em vários canais de grande audiência, como a Fox e a CNN. Mais uma vez, o foco estava na inconsequência do ato, como se Matt simplesmente tivesse injetado tinta em seus olhos, sem saber o que estava fazendo. Claro, todos os médicos entrevistados falaram que ele poderia ficar cego – e tudo terminou por aí.
Dando continuidade à saga, mas fora dos noticiários, outros modificadores passaram também a fazer a coloração do globo ocular. Na América Latina, o superstar da modificação corporal, Emilio Gonzales, publicou as fotos de seus primeiros clientes com os olhos pretos e, nos EUA, Chance Davis e Russ Foxxapareceram com seus trabalhos, além de Max Yampolskiy, na Rússia. Não só mais pessoas estavam oferecendo o procedimento, mas também estavam buscando variações para a tatuagem escleral, resultando em olhos com duas cores bem definidas, com aplicações diferenciadas.
No Brasil, a tatuagem no globo ocular “começou a esquentar” em outubro de 2012, com dois verdadeiros acontecimentos: a visita de Emilio Gonzales e a ousadia deRafael Leão, do Dhar-Shan Body Art. Essas duas situações despertaram muitas discussões e questionamentos a respeito da prática e mesmo da qualificação dos profissionais para que possam fazer a aplicação.
Particularmente, acredito que o maior problema de todos é que em nenhum lugar do mundo você pode falar em qualificação plena do profissional da body art, por um motivo simples: não há instituições oficialmente reconhecidas pelos órgãos governamentais e nem mesmo a profissão é regulamentada! Nenhum modificador corporal é graduado em medicina, pois, se dedicasse seu tempo às referidas práticas detendo um diploma médico, este seria cassado por prática ilegal da medicina. Falando em medicina, para alcançar o status que detêm hoje, as próprias ciências médicas passaram por diversos períodos de experimentação e sempre estiveram sujeitas a erros. Basta lembrar dos tantos casos de erros em cirurgias e de mortes que ocorreram durante procedimentos mais “simples”, como a lipoaspiração – riscos que enfrentamos até hoje quando nos submetemos às mãos dos médicos.
(na foto, Alexandre Anami, trabalho feito por Emilio Gonzales)
Argumentar que é errado fazer algo no corpo alheio que não seja seguro chega a soar como ingenuidade, principalmente no meio da modificação corporal, no qual as práticas que hoje vemos como relativamente seguras foram gradativamente desenvolvidas e melhoradas por meio da experimentação.
O sentimento dúbio que têm Shannon Larratt e T. Angel justifica-se pela velocidade com que a prática se “espalhou”, e com que outras pessoas se dispuseram a experimentar essa pigmentação antes mesmo de existirem relatos do que pode ocorrer a longo prazo – afinal, a prática em si tem apenas pouco mais de cinco anos… e se alguém ficar cego depois de dez anos do procedimento?! Não há dúvidas de que a tatuagem do globo ocular é algo delicado e complexo, por ser um procedimento novo, de riscos ainda desconhecidos, que só podem ser cogitados.
(Alex Honda, trabalho por Emilio Gonzales)
Apesar do que se ouve por aí, até então, não há casos que tenham levado a consequências drásticas como a cegueira. De acordo com o FAQ do BMEzine sobre a pigmentação do globo ocular, existe UM caso em que o excesso de tinta injetado na esclera acabou migrando para o humor vítreo, que seria a parte interna, mais profunda, do olho. Nesse caso, o próprio olho em que o pigmento foi injetado parecia não aceitar com facilidade a aplicação da tinta, que não se espalhava com facilidade.
Na mesma sessão, o outro olho do cliente também foi pigmentado, aparentemente sem complicações. Três dias após o procedimento, a pessoa afirmou que teve uma dor de cabeça intensa, visão embaçada e sensibilidade à luz (fotossensibilidade). Durante o ano seguinte, a pessoa relatou ver manchas pretas e as partículas de tinta parecem ter migrado também para o nervo ótico. Consultado, o optometrista informou que é bem possível que a pessoa desenvolva glaucoma e pode ocorrer prejuízo da visão ou, mesmo, a cegueira. Infelizmente, o que aconteceu aqui independe da experiência do aplicador, que continua sujeito a erros após anos de prática – afinal, o erro humano acontece em qualquer ponto da vida. Lembro também de uma conversa que tive com um amigo, em que mencionei a prática da pigmentação e que até gostaria de fazer num futuro distante (amo como ficam os olhos pretos!).
Esse amigo me chamou a atenção para a possibilidade de ter qualquer diagnóstico dificultado pela tinta, que pode, por exemplo, encobrir defeitos ou anormalidades no olho – algo que, confesso, não tinha pensado sobre. Pode ser que a pessoa com algum problema no olho não seja devidamente diagnosticada por tê-lo pigmentado, um caso que torna, inclusive, difícil afirmar se o problema foi em consequência da pigmentação ou algo que aconteceria independente dela.
(Diego Morais, trabalho por Emilio Gonzales)
Na verdade, se pensarmos de um ponto de vista fatal, até uma perfuração no nariz pode levar à morte por infecção generalizada – logo, tudo o que fazemos é arriscado. Se pensarmos pelo lado realista, o olho é uma parte extremamente sensível do corpo, facilmente sujeito a reações e irritações. Um grão de poeira que entra em contato com nossa córnea pode dar um terrível fim à visão! Portanto, injetar pigmentos na esclera, como já foi dito inúmeras vezes neste artigo, é, sim, muito perigoso.
Na história da medicina, no entanto, o que sempre houve foi uma palavra de ordem que, creio, deve se aplicar também à modificação corporal: estudar! É preciso estudar e pesquisar exaustivamente. Não é a toa que um médico leva anos para se formar. Mas também não é à toa que, ao fim do curso, um médico tenha que passar por um período de residência, no qual pratica o que aprendeu. Na modificação corporal também é preciso prática, além de estudo. E para praticarmos, dependemos de pessoas que confiem em nós e que nos confiem seus corpos.
Veja também:
Tatuagem no globo ocular – Os Primeiros Experimentos
Tatuagem no globo ocular – Da prisão para o MundoTatuagem no globo ocular – Os brasileiros arriscando
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Fontes: BMEzine – FAQ; BMEzine – Eyeball tattooing; Frrrk Guys.
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