(Jefferson Saiint, trabalho por Rafael Leão)
Quando Rafael Leão, proprietário do estúdio Dhar Shan Body Art, em Jundiaí, interior de São Paulo, publicou as fotos do primeiro globo ocular tatuado no Brasil, as opiniões ficaram divididas em meio à polêmica: o que faz um profissional ser considerado qualificado para efetuar o procedimento?
Conversando com o Rafael e depois de ler sua entrevista ao Frrrk Guys, posso afirmar que ele tem algo em comum com os outros profissionais que fazem a pigmentação dos olhos: ele estudou e pesquisou. Não foi uma decisão tomada a partir de uma foto e o processo não foi rápido. Segundo contou ao Frrrk Guys, há mais de um ano e meio Rafael se interessou pela técnica e começou a procurar informações sobre como se dá a aplicação. Da procura por luvas confeccionadas em nitrilo, para evitar irritações por contato, à leitura e observação de vídeos e de relatos, ele buscou se preparar com tudo o que havia disponível. Rafael também chama a atenção para o pigmento, que deve ser microprocessado e livre de impurezas que possam resultar em consequências indesejáveis. Para a manipulação do pigmento, ele teve ajuda de uma profissional formada em química e a própria manipulação é realizada em farmácia.
(Jefferson Saiint, trabalho por Rafael Leão)
Não há como negar que todos estão sujeitos a críticas variadas. Se um trabalho está exposto, ele vai sofrer críticas e a internet abre ainda mais as portas para que isso aconteça. Eu sou partidária de que, para criticar e falar mal, você deve fazer melhor – ou, no mínimo, saber como se pode fazer melhor. E, é claro, se quem critica é uma pessoa muito mais experiente, com mais anos de prática e de atividade no ramo, a opinião dela não pode ser deixada de lado. Ao mesmo tempo, ao falar, essa pessoa não deveria se esquecer – ou ignorar – como começou a exercer a modificação profissionalmente.
Voltando à questão da experimentalidade da técnica do eyeball tattooing – e de qualquer outra técnica, pois considero que todas estão em constante desenvolvimento, mesmo as que parecem solidamente estabelecidas –, todos os profissionais que foram citados até agora chegaram ao ponto em que estão por meio do experimento. Grandes nomes da modificação corporal no mundo todo só aprenderam porque puderam praticar aquilo que haviam estudado. Às vezes, praticavam em si mesmos! E que atire o primeiro catéter o body piercer que nunca tentou se furar ou que ficou inseguro na hora de colocar o primeiro piercing sem supervisão! Foi assim que a arte no corpo se desenvolveu e foi por meio de situações parecidas que até a medicina evoluiu – procure, no Google, por “lobotomia”, por exemplo.
(trabalhos por Rafael Leão)
A confiança de uma pessoa próxima que aceite “doar” seu corpo para que a prática ocorra é também crucial. Inspirado pelo trabalho de Luna Cobra, Jefferson Silva foi quem confiou seus olhos a Rafael para que a primeira aplicação brasileira fosse realizada. Cientes dos riscos, Rafael e Jefferson decidiram fazer, inicialmente, apenas um olho, para observar as reações e o resultado.
Rafael confirma que o procedimento não é fácil; pelo contrário, a falta de domínio natural sobre as córneas faz com que os olhos se movam involuntariamente, exigindo extremo cuidado por parte do aplicador. Em relação ao pós-procedimento, Jefferson disse ao site Frrrk Guys que teve uma sensação de desconforto e de maior pressão no olho. Passados alguns meses, os olhos dele parecem estar indo bem, assim como os das outras pessoas que tiveram a aplicação realizada por Rafael.
Algo que também já falei antes (desculpem-me pela repetição, acho que certas coisas devem ser reforçadas sempre que possível) é que, até o momento, todas as pessoas que decidiram ter a cor do “branco” de seus olhos modificada são indivíduos já adeptos da modificação, que já têm a body art completamente inserida em suas vidas. Mudar a cor dos olhos é, portanto, só uma parte do processo de construção de seus corpos.
Atualmente, no Brasil, apenas Rafael Leão realiza o eyeball tattooing. Elefaz questão de enfatizar que “não é para qualquer um”, afinal, além de todos os riscos já descritos aqui, a mudança é radical e permanente. Se ele qualificados ou não para o procedimento, a decisão parte de cada um. O importante é estar ciente dos riscos que envolvem a pigmentação do globo ocular e de que essa é uma técnica que ainda precisa ser muito desenvolvida!
Você pode ler as outras matérias envolvendo a tatuagem no globo ocular, como osprimeiros experimentos, da prisão para o mundo e as novas cores.
Tatuagem nos olhos e a medicina
A tatuagem do globo ocular, como vimos, não é propriamente uma tatuagem. É uma injeção de pigmento para modificar a cor do chamado “branco dos olhos”. Ainda assim, existe algo que podemos chamar de tatuagem nos olhos e que é um processo mais parecido com o da tatuagem propriamente dita: a tatuagem feita na córnea.
Em inglês, ela é chamada de “corneal tattooing” e, obviamente, é realizada na região da córnea, que cobre a íris (veja a figura abaixo). É nessa região que mais comumente ocorrem lacerações e feridas por contato que podem deixar cicatrizes, estas aparecendo como uma leve descoloração por cima da íris.
A função da tatuagem na córnea é puramente estética, para encobrir lesões, calcificações ou partes removidas. São casos em que o espaço no qual a tinta é aplicada não tem mais sua funcionalidade total, ou seja, o olho tatuado é parcialmente ou completamente cego. A primeira descrição da tatuagem da córnea, pasmem, data de 150 a.C.! Alguns fisicistas desenvolveram a prática por meio da cauterização, que tornava a área afetada mais escura, portanto, “disfarçando” o defeito. Desde então, foram realizadas muitas pesquisas diversas, sugerindo diferentes métodos, mas, ao que parece, a maioria não gerou resultados satisfatórios.
Uma oftalmologista sul-africana, Dra. Jeanette Carlisle, no entanto, decidiu pedir conselhos a um tatuador depois de tentativas frustradas de cobrir o olho acinzentado de um paciente. Médica e tatuador treinaram, durante meses, em olhos de porcos, a fim de estabelecer a melhor técnica para se fixar a tinta no olho com uma máquina de tatuagem tradicional. Eventualmente, a médica conseguiu a permissão de um hospital para efetuar o procedimento num olho humano e, surpreendentemente, em aproximadamente cinco minutos, o olho do paciente foi satisfatoriamente corrigido.
A Dra. Carlisle é assertiva quanto à prática: é possível tatuar o branco do olho também, mas ela jamais tatuaria nem a córnea nem a esclera de um olho funcional, pois não valeria correr o risco de infecção e futura cegueira.
Para os que tiveram os olhos afetados ou lesados de alguma forma e desejam “corrigi-los”, para que tenham uma aparência normal, o procedimento é oferecido por técnicos em estética, que usam máquinas de tatuagem ou de micropigmentação (“maquiagem definitiva”) e os resultados costumam ser bem sucedidos.
Fontes: Frrrk Guys; Rafael Leão; Jefferson Saiint; Corneal Tattooing; Eyeball Tattooing; British Journal of Ophtalmology; Heidi Lassiter.
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