A paulistana Patricia Gea é a única tatuadora mulher da Galeria do Rock, tradicional reduto de tribos adolescentes localizado no centro de São Paulo. Aos 27 anos, seu trabalho se destaca entre os de muitos marmanjos com caras de mau que vivem de desenhar e colorir a pele. Patricia faz parte de um restrito time de profissionais do sexo feminino que ganha projeção num cenário dominado (ainda) por homens. Com a popularização desse mercado, as tattoo girls conquistam cada vez mais poder.
É claro que, às vezes, elas ainda lidam com algumas expressões de surpresa quando um cliente descobre que será tatuado por uma mulher. "Muitos acham que sou a atendente do estúdio", conta Patricia, que hoje acha graça da confusão. Raros são aqueles que recusam seu trabalho. Nem por isso, deixou de ouvir piadinhas preconceituosas do tipo: "Homem tem mais cara de tatuador" ou "É você quem vai fazer minha tatuagem? E você sabe dirigir?". A única maneira de dar o troco é rejeitar o cliente.
Existe também o outro lado da moeda. Muita gente enxerga vantagens em passar por mãos femininas. E há quem diga que, se é para sentir dor, melhor que seja nas mãos de uma mulher. "Falam que somos mais delicadas, mas acho que o importante é fazer um ótimo trabalho para deixar o cliente feliz com o resultado", resume Patricia. A jovem dá expediente no estúdio Jack Tattoo, com outros colegas de profissão, e diz que chega a ganhar R$ 4 mil por mês nos períodos de alta procura, como no verão.
Dilema. É também comum ouvir que as mulheres são mais pacientes. Afinal, há um longo caminho até que o cliente decida o que pretende tatuar e em qual parte do corpo. Nessas situações, é recomendável conversar muito, além de ir várias vezes ao estúdio. A tatuadora Rita Takanashi, de 29 anos, casada e mãe de uma menina de 6 anos, explica que cabe ao profissional decifrar o desejo do cliente. Segundo ela, aquele que sabe exatamente o que quer é exceção.
"Acho que essa profissão tem tudo a ver com mulher", avisa Rita, que é dona do estúdio Gaia Tattoo, localizado na Vila das Mercês, zona sul de São Paulo, e divide o trabalho com mais um profissional - homem. "Nosso lado maternal é uma vantagem." De acordo com Rita, há clientes que só querem adornar o corpo, mas a maioria pretende registrar um fato importante da vida: homenagear filhos, pais e, claro, marcar uma relação amorosa.
Neste último caso, a tatuadora Carla Rissatto, de 31 anos, não se melindra em colocar um freio nos pombinhos apaixonados. De forma sutil, ela sempre lembra que a tatuagem é eterna, mas um relacionamento... E tenta deixar a declaração de amor mais discreta na pele para não causar tanto "estrago" quando o rompimento vier. "Já fiz cliente voltar para casa para pensar bem e não se arrepender depois", conta a profissional.
Para ter certeza que a vontade não é passageira, a premiada tatuadora carioca Anna Idza, de 26 anos, dá uma dica: "Quando surgir o desejo de ter uma tattoo, não faça nada imediatamente. Deixe passar alguns dias. Se essa vontade continuar e ficar ainda mais forte, pode procurar um estúdio. Do contrário, o melhor é deixar pra lá".
Sem limites. O mundo da tattoo não deu uma virada somente com o ingresso feminino na profissão. As clientes também "saíram do armário". Se antes a mulherada optava por desenhos pequenos e discretos, atualmente exibe extensas e poderosas tatuagens nas pernas, braços e costas. Não há mais limites, até porque o preconceito se diluiu. "Nós estamos mais fortes, mais independentes, mais autoconfiantes e não temos mais medo de ter tatuagens grandes", avalia Rita. "Tanto que hoje atendo mais mulheres do que homens."
Esse segmento se transformou de tal maneira que São Paulo passou a contar com um estúdio só de tatuadoras mulheres. A idealizadora do espaço inédito é Carla. Após muito tempo trabalhando lado a lado com o marido, o tatuador Polaco, figura carimbada na cidade e dono da Polaco Tattoo - estúdio que existe há 25 anos no centro da cidade -, ela investiu todas as fichas em uma carreira solo e inaugurou, em dezembro, a unidade "mulherzinha" da rede, nos Jardins.
"Queria oferecer um estúdio diferenciado, incluindo o tratamento", diz Carla, que é mãe de um menino de 8 anos. E conseguiu. Em parceria com Anna Idza, o estúdio oferece também maquiagem definitiva, além de um trabalho minucioso para cobertura de cicatrizes e de manchas de vitiligo. E, em vez de clima roqueiro, a clientela encontra vasos de flores espalhados pela recepção, música ambiente das boas, balinhas e chá de camomila para acalmar durante as doloridas sessões.
Trocando ideias. A dupla organiza o chamado "clube da luluzinha", evento bimestral entre clientes para trocar figurinhas, bebericar espumante e se fartar com doces de chocolate. Na primeira edição, as convidadas chegaram a 20 e ganharam de presente a consulta com uma cigana que "lê as mãos". A parceira Anna comemora trabalhar em um lugar alto-astral.
Por se destacar na profissão, com direito a 14 prêmios ganhos em convenções pelo Brasil, Anna enfrentou até sabotagem de colegas homens. "Certa vez, trocaram meu pigmento para que uma tatuagem desse errado", lembra. "Foi a única vez que tive problema com um trabalho meu." A quem tentou barrar seu caminho, Anna respondeu tornando-se uma profissional respeitada.
"Como o meio é masculino, cansei de escutar que mulher só sabe desenhar fadinha e borboletinha", recorda. Aí começou a competir de igual para igual e ser vista com respeito. Mas Anna agradece todas as dificuldades pelas quais passou porque se fortaleceu e hoje vive - muito bem, diga-se - de seu trabalho. É por meio dele que consegue realizar todos os seus sonhos. No ano passado, finalmente viajou à Europa. E foi graças à tatuagem que conheceu seu grande amor, com quem se casou em janeiro.
Expoente brasileira
Entre as mulheres, a estrela nacional é a mineira Camila Rocha. Aos 28 anos, ela está no programa Los Angeles Ink por trabalhar no estúdio da protagonista Kate Von D, ícone feminino. Esse reality show, que se passa em um estúdio de tatuagem e atualmente é exibido pelo canal pago Liv, estreou quando a norte-americana foi demitida do programa Miami Ink, que segue o mesmo estilo.
Tanto um quanto o outro mostra os dramas, histórias e motivações de profissionais e clientes. Kate deu impulso à ascensão da mulher nessa profissão ao mostrar sua força e talento. E Camila é a prova de como as brasileiras crescem em número e em qualidade de trabalho. Várias delas, como a profissional mineira, trabalham em renomados estúdios internacionais. Patrícia Gea, da Jack Tattoo, teve o gostinho, em 2009, de tatuar no melhor ponto do Chile, a Tattoo Rockers, que fica no centro de Santiago. "Não importa o sexo, os brasileiros são considerados um dos melhores do mundo", arrebata Patricia.